quinta-feira, 24 de março de 2011

PROPOSTA DE CORRECÇÃO DO TESTE

 ESCOLA SECUNDÁRIA PROF. JOSÉ AUGUSTO LUCAS
Prova escrita de Português – 12º A
I - Lê atentamente o poema de Alberto Caeiro e responde de forma clara e cuidada às questões.
II
O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás…
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…
Sei ter o pasmo comigo
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do mundo…

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender…
O mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo.

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos…
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar…

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar...                                  Alberto Caeiro

1 – Interpreta a comparação que se estabelece no primeiro verSO.
No primeiro verso compara-se o olhar ao girassol. Tal co mo o girassol olha sempre o sol de frente, assim um "olhar nítido como um girassol" é aquele que vê o real com nitidez, à luz do sol. Tal como o girassol o olhar procura a luz, a sabedoria, o conhecimento.
2 – Explica como progride ao longo da estrofe o sentido desse primeiro verso.
Olhar é conhecer. Seguindo a proposta de Caeiro, o sujeito poético parte desse princípio e enumera as várias circunstâncias em que se manifesta o "olhar nítido". A progressão do sentido centraliza-se nessa enumeração, "olhar para a direita e para a esquerda, olhando para trás, o que nunca antes tinha visto, sei dar por isso, sei ter o mesmo pasmo, sinto-me nascido a cada momento, eterna novidade do mundo". 
3 – O sujeito poético opõe o olhar à compreensão. De que modo?
Esta oposição entre olhar e compreender, ou seja, pensar é um tópico fundamental do sensacionismo de Caeiro. De facto, na segunda estrofe afirma acreditar na realidade porque a vê, isto é, a sensação visual basta-lhe para estabelecer uma relação com o mundo. Rejeita a reflexão afirmando que "pensar é não compreender".
4 – Explica o sentido do verso: “Eu não tenho filosofia: tenho sentidos…”
O verso "Eu não tenho filosofia, tenho sentidos..." é a afirmação suprema do sensacionismo como estratégia de apreensão do real. Considerando a filosofia a arte de pensar e a forma pura da procura incessante da busca de resposta para o conhecimento humano, a interrogação do mundo, o verso corresponde a uma afirmação absoluta, convincente, e estabelece o primado do empirismo sobre o pensamento.
5 – Indica os versos que evidenciam que o mundo não tem significação, mas existência.
Há inúmeros versos que remetem para o contraste significação/existência. Destaco:
"Para a eterna novidade do mundo"
"Creio no mundo como num malmequer"

6 – Faz a análise formal do poema.

O poema é constituído por quatro estrofes com número variado de versos normalmente  heterométricos e versos brancos, isto é, sem recurso à rima. Em termos de linguagem, o poema evidencia o predomínio da frase coordenada, com recurso à comparação, enumeração e à antítese, bem como vocabulário do campo lexical dos sentidos. Cada um dos versos que iniciam as estrofes são afirmações sentenciosas que se desenvolvem ao longo de cada estrofe. Destaca-se também o uso das reticências como forma de obrigar o leitor a preencher espaços vazios ou imaginar outros pensamentos associados.
II – Comentário
Elabora um comentário entre 120 e 180 palavras, tendo em conta os versos, e o texto de Fernando Pessoa:
“Não sei quantas almas tenho./Cada momento mudei./ Continuamente me estranho.”
“Aparecido Alberto Caeiro, tratei logo de lhe descobrir – instintiva e subconscientemente – uns discípulos”.

Tanto os versos do poema, primeira citação, como o texto sobre os heterónimos, remetem-nos para o drama da unidade e diversidade em Fernando Pessoa. Neste contexto podemos falar da problemática pessoana e a sua multiplicação noutros "eus" existenciais e poéticos.

Se em Fernando Pessoa ortónimo assistimos à procura da decifração do enigma de ser expresso muitas vezes na dor de pensar, obsessão da análise, incapacidade de viver a vida, fragmentação do sujeito e à perda de identidade, bem patente nos versos "não sei quantas almas tenho/cada momento mudei/continuamente me estranho". No meu entender, essa fragmentação e a identidade perdida dão origem ao processo de heteronímia e à atribuição de caracteres próprios a cada um dos heterónimos: Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Bernardo Soares....

Explicando de modo breve diria que Alberto Caeiro, o mestre dos heterónimos e do próprio Pessoa, vive sem pensar e envelhece sem angústia, há pois uma recusa da introspeção, mas é clara a aceitação do sensacionismo e admiração pela natureza. É o poeta do real e do olhar que recusa qualquer espécie de misticismo.
Por sua vez Campos, poeta modernista por excelência, apresenta três fases distintas na sua poesia: futurista (fortemente sensacionista), decadentista e intimista. A primeira fase caracteriza-se pela busca de sensações e confissão emocional pelo progresso, é por isso um vanguardista. A segunda e terceira fases evidenciam aspectos de pessoa ortónimo, caracterizando-se pelo tédio e estados de alma perturbados, evocando o passado ou tempos indetermindados, como fuga ao presente entediado e doentio. 
Por último Ricardo Reis. Este é um poeta tipicamente passadista, isto é, fora da sua época tanto na filosofia de vida como nos costumes e no próprio estilo poético marcadamente moralista e sentencioso. Inspirado em Horácio (poeta romano do sec. I) evidencia um caráter lúcido perante o tempo e o sofrimento, por isso a sua máxima assenta na aceitação das coisas terrenas e do além tal como elas são, pois mesmo os deuses nada podem contra o destino inexorável que tudo rege. Epicurista e estoicista, a sua poética assenta pois no "carpe diem" (frui o momento) e na disciplina. Considera que é sábio aquele que contempla o espetáculo do mundo!

Por fim, acho que os quatro poetas que aqui foram referidos fecham o quadrado de um ser multifacetado artisticamente implicado na construção do belo, Fernando Pessoa, que se considera discípulo de Caeiro na medida em que este é exemplo de ingenuidade, inocência e vive de acordo com a natureza, por isso um neopagão puro.





Assinala a opção correcta:    ESTÃO ASSINALADAS A VERMELHO AS RESPOSTAS CORRETAS.

1 - Álvaro de Campos é um:
    A)

pseudónimo de tendências neopagãs.


    B)

heterónimo de tendências classicizantes.


    C)

heterónimo de tendências futuristas.


2 - Alberto Caeiro é um heterónimo de tendências:
    A)

futuristas.


    B)

neopagãs.


    C)

classicizantes

3 - Caeiro assume a função de mestre:
    A)

em relação aos outros heterónimos, mas não a Pessoa ortónimo.


    B)

só em relação a Ricardo Reis.


    C)

em relação aos outros heterónimos e a Pessoa ortónimo.

4 - A sobreposição de elementos como o aqui e o além, o agora e o passado, o real e o onírico caracteriza:
    A)

o Interseccionismo.


    B)

o Sensacionismo.


    C)

o Epicurismo


5 - São marcas de Pessoa ortónimo:
    A)

a angústia existencial e a nostalgia.


    B)

a felicidade existencial e a sua "alegria de viver".


quinta-feira, 3 de março de 2011

Proposta: análise do poema "Bóiam leves"

Os poemas que Pessoa reuniu no que seria o seu Cancioneiro, eram poemas para serem cantados, mas só por isso não eram poemas menores, pelo contrário. Pensava Pessoa encontrar nesse modo de comunicar a poesia, um forte elo entre o sentimento e a compreensão.

Uma característica de Pessoa ortónimo é um sentimento quase iconciliável de leveza e tédio, um sentimento de si mesmo, transfigurado numa angústia de viver e o desespero por procura de significados vivenciais que esbarram na impossibilidade.
O poema "Bóiam leves..." é um exemplo perfeito para ilustrar um tema muito querido a Pessoa, que o aproximou também por intermédio de Bernardo Soares, o autor tardio do Livro do Desassossego - o tédio de existir. Este tédio está muito perto de ser a náusea, o sentimento de nojo de ser que Sartre(1) (escritor francês Séc. XX) sente ao caminhar pelo nevoeiro na noite da cidade, vendo as sombras indistintas dos prédios e dos outros homens. Afinal é uma aproximação a um tema absurdo - a análise da vida humana e do seu significado.

Abordemos o poema: "Bóiam leves, desatentos / Meus pensamentos de mágoa / Como, no sono dos ventos, / As algas, cabelos lentos / Do corpo morto das águas." Veja-se como Pessoa inicia por estabelecer um cenário morto, parado no tempo, em que acção e o rebuliço do mundo se confronta com o absurdo de o pensar. Os pensamentos são a realização que existe um mundo que não é feito só de pensamentos.

Os pensamentos, esses, "Bóiam como folhas mortas (...) / São coisas vestindo nadas". São inconsequentes, irreais, porque absurdos, porque querem intervir no mundo e afinal não passam de devaneios sonhadores, sem força, sem consistência de realidade. Pelo menos sem consistência aparente, perante a avassaladora força do mundo exterior, que os esmaga e suprime.

É o próprio "eu" que nos esclarece na conclusão. Os pensamentos são "Sono de ser, sem remédio / Leve mágoa, breve tédio,". Apenas um estado contemplativo, que "Não sei se existe ou se dói." Afinal é essa a verdade sobre as suas ideias, a sua consciência de ser diferente dos outros homens - é o que o diferencia e o torna mais nobre, é também um distanciamento.

Mais do que um estado depressivo, típico de muitos textos de Pessoa, o poema percorre e induz uma ideia de aceitação do destino absurdo do homem, perante uma realidade que o assola como um fantasma e o torna sem carne, um monstro sem escape perante a sua prisão-mundo.

SARTRE, Jean Paul, A Náusea, 1938...