quinta-feira, 3 de março de 2011

Proposta: análise do poema "Bóiam leves"

Os poemas que Pessoa reuniu no que seria o seu Cancioneiro, eram poemas para serem cantados, mas só por isso não eram poemas menores, pelo contrário. Pensava Pessoa encontrar nesse modo de comunicar a poesia, um forte elo entre o sentimento e a compreensão.

Uma característica de Pessoa ortónimo é um sentimento quase iconciliável de leveza e tédio, um sentimento de si mesmo, transfigurado numa angústia de viver e o desespero por procura de significados vivenciais que esbarram na impossibilidade.
O poema "Bóiam leves..." é um exemplo perfeito para ilustrar um tema muito querido a Pessoa, que o aproximou também por intermédio de Bernardo Soares, o autor tardio do Livro do Desassossego - o tédio de existir. Este tédio está muito perto de ser a náusea, o sentimento de nojo de ser que Sartre(1) (escritor francês Séc. XX) sente ao caminhar pelo nevoeiro na noite da cidade, vendo as sombras indistintas dos prédios e dos outros homens. Afinal é uma aproximação a um tema absurdo - a análise da vida humana e do seu significado.

Abordemos o poema: "Bóiam leves, desatentos / Meus pensamentos de mágoa / Como, no sono dos ventos, / As algas, cabelos lentos / Do corpo morto das águas." Veja-se como Pessoa inicia por estabelecer um cenário morto, parado no tempo, em que acção e o rebuliço do mundo se confronta com o absurdo de o pensar. Os pensamentos são a realização que existe um mundo que não é feito só de pensamentos.

Os pensamentos, esses, "Bóiam como folhas mortas (...) / São coisas vestindo nadas". São inconsequentes, irreais, porque absurdos, porque querem intervir no mundo e afinal não passam de devaneios sonhadores, sem força, sem consistência de realidade. Pelo menos sem consistência aparente, perante a avassaladora força do mundo exterior, que os esmaga e suprime.

É o próprio "eu" que nos esclarece na conclusão. Os pensamentos são "Sono de ser, sem remédio / Leve mágoa, breve tédio,". Apenas um estado contemplativo, que "Não sei se existe ou se dói." Afinal é essa a verdade sobre as suas ideias, a sua consciência de ser diferente dos outros homens - é o que o diferencia e o torna mais nobre, é também um distanciamento.

Mais do que um estado depressivo, típico de muitos textos de Pessoa, o poema percorre e induz uma ideia de aceitação do destino absurdo do homem, perante uma realidade que o assola como um fantasma e o torna sem carne, um monstro sem escape perante a sua prisão-mundo.

SARTRE, Jean Paul, A Náusea, 1938...

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