segunda-feira, 5 de março de 2012

Proposta de correção

Prova escrita de Português – 11º ano V - 2
Fevereiro 2012

Lê atentamente o excerto de Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett.

Madalena (enxuga os olhos e toma uma atitude grave e firme) — Levantai-vos, Telmo, e ouvi-me. (Telmo levanta-se.) Ouvi-me com atenção. É a primeira vez e será a última vez que vos falo deste modo e em tal assunto. — Vós fostes o aio e o amigo de meu senhor… de meu primeiro marido, o senhor D. João de Portugal; tínheis sido o companheiro de trabalhos e de glória de seu ilustre pai, aquele nobre conde de Vimioso, que eu de tamanhinha me acostumei a reverenciar como pai. Entrei depois nesta família de tanto respeito; achei-vos parte dela, e quase que vos tomei a mesma amizade que aos outros… chegastes a alcançar um poder no meu espírito, quase maior… — decerto maior — que nenhum deles. O que sabeis da vida e do mundo, o que tendes adquirido na conversação dos homens e dos livros — porém, mais que tudo, o que de vosso coração fui vendo e admirando cada vez mais — me fizeram ter-vos numa conta, deixar-vos tomar, entregar-vos eu mesma tal autoridade nesta casa e sobre minha pessoa… que outros poderão estranhar…
Telmo — Emendai-o, senhora.
Madalena — Não, Telmo, não preciso nem quero emendá-lo. — Mas agora deixai-me falar. Depois que fiquei só, depois daquela funesta jornada de África que me deixou viúva, órfã e sem ninguém… sem ninguém, e numa idade… com dezassete anos! — em vós, Telmo, em vós só, achei o carinho e proteção, o amparo que eu precisava. Ficastes-me em lugar de pai; e eu… salvo numa coisa! — tenho sido para vós, tenho-vos obedecido como filha.
Telmo — Oh, minha senhora, minha senhora! mas essa coisa em que vos apartastes dos meus conselhos…
Madalena — Para essa houve poder maior que as minhas forças… D. João ficou naquela batalha com seu pai, com a flor da nossa gente. (Sinal de impaciência em Telmo.) Sabeis como chorei a sua perda, como respeitei a sua memória, como durante sete anos, incrédula a tantas provas e testemunhos da sua morte, o fiz procurar por essas costas de Berberia, por todas as sejanas de Fez e Marrocos, por todos quantos aduares de Alarves aí houve… Cabedais e valimentos, tudo se empregou; gastaram-se grossas quantias; os embaixadores de Portugal e Castela tiveram ordens apertadas de o buscar por toda a parte; aos padres da Redenção, a quanto religioso ou mercador podia penetrar naquelas terras, a todos se encomendava o seguir a pista do mais leve indício que pudesse desmentir, pôr em dúvida ao menos, aquela notícia que logo viera com as primeiras novas da batalha de Alcácer. Tudo foi inútil; e a ninguém mais ficou resto de dúvida…
Telmo — Senão a mim.
Madalena – Dúvida de fiel servidor, esperança de leal amigo, meu bom Telmo, que diz com vosso coração, mas que tem atormentado o meu…Pois dizei-me em consciência, dizei-me de uma vez claro e desenganado: a que se apega esta vossa credulidade de sete…. e hoje mais catorze … vinte e um anos?
Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa





Grupo I
São apresentados os números das questões das duas versões. Sigo a versão 2, quer dizer que a questão 1 corresponde à dois na versão 1 e assim sucessivamente.
As respostas foram elaboradas a partir das dadas por alguns alunos suprimindo ou acrescentando elementos.

Responde, por palavras tuas e de forma completa, às questões que se seguem.

1/2. Enquadra este excerto na estrutura interna e externa da obra justificando adequadamente.

Em termos de estrutura externa, o excerto situa-se no ato I e corresponde à exposição do conflito, quanto à estrutura interna da peça Frei Luís de Sousa.
O primeiro ato, especialmente as cenas I à IV, é dominado por frequentes alusões ao passado evocado por Telmo que esmaga os pensamentos de Madalena. Também se apresentam as personagens e fornecem-se informações acerca do relacionamento entre elas, história da família e o tempo da ação.
Esse tempo de memória é relevante para o desencadear do conflito entre o passado mal resolvido e incógnito, por isso sempre presente nos vários momentos críticos da ação, como no início do 2º ato, e um presente que, parecendo consolidado, em termos de felicidade, depende muito do que aconteceu ou não a D. João de Portugal na batalha de Alcácer-Quibir.

2/5. A partir do conhecimento da peça, caracteriza Telmo indicando e justificando três traços fundamentais.

Telmo Pais é uma das personagens centrais da ação de Frei Luís de Sousa. Ao longo da ação podemos verificar traços da sua personalidade, tais como: lealdade e fidelidade à família que serviu e à que continua a servir, apesar das dúvidas iniciais em relação à personagem Maria e D. Manuel. No excerto em análise, a própria Madalena o intitula de «fiel servidor» e «leal amigo». Essas caraterísticas levam-no a acreditar que o seu amo, D. João de Portugal, ainda poderá estar vivo. A resposta que dá a Madalena «senão mim» é reveladora da sua esperança e cimenta o seu caráter sebastianista.
Outra qualidade é o facto de ser confidente de Maria e Madalena, comentador, conselheiro, representando na peça o coro, típico da tragédia clássica.
Por fim, um traço também referido por Madalena é a sabedoria, por isso é digno de confiança porque o saber vem «da vida e do mundo, o que tendes adquirido na conversação dos homens e dos livros».

OUTRO ASPETO QUE PODIA SER CONSIDERADO
A sua divisão depois de D. João chegar. Este pede-lhe que vá negá-lo, sente-se dividido entre o desejo de o ter presente e a sua negação, perante o facto de saber da situação catastrófica da sua querida o corregelionára de sebastianismo Maria.

3/1. Explica a relação de tensão que se estabelece neste excerto entre Madalena e Telmo.

Neste excerto é evidente a presença de uma forte tensão entre Telmo e Madalena causada por terem diferentes pontos de vista relativamente à morte de D. João de Portugal e ao novo casamento de Madalena.
Madalena acredita que D. João ficou naquela funesta batalha de Alcácer, «D. João ficou naquela batalha com seu pai, com a flor da nossa gente», além disso justifica-se afirmando que tudo fez para se certificar disso «durante sete anos (…) o fiz procurar por essas costas de Berberia».

HÁ OUTRAS CITAÇÕES QUE CONTRIBUIRIAM PARA JUSTIFICAR A POSIÇÃO DE MADALENA

como e «a ninguém mais ficou resto de dúvida». Ao usar o quantificador universal «ninguém», tenta justificar-se com a opinião da maioria, tentando demonstrar a Telmo que está na pequena minoria de crentes.
Telmo sempre duvidou e essa incerteza ainda permanece no seu espírito, porque ele responde à certeza geral formulada por Madalena «Senão a mim».


4/3. Neste excerto, Madalena parece querer justificar-se. De que se justifica ela e porquê?

O excerto corresponde, de facto, à justificação do casamento de Madalena com Manuel de Sousa Coutinho, depois de aceitar a morte do seu primeiro marido.
Depois de enumerar as virtudes da família de D. João, justifica a admiração que tem por Telmo «o que do vosso coração fui vendo e admirando cada vez mais – me fizeram ter-vos em conta».
Seguidamente justifica a dor da viuvez ainda tão jovem e, não se conformando, em sinal de amor por D. João, aplicou dinheiro, fez diligências diplomáticas, procurou por toda a parte, esperando durante sete anos e tudo foi em vão «Tudo foi inútil»
Por fim, outra questão que importa referir é o facto de estar assim definido pelo destino. Atendendo às palavras de Madalena, quando responde à acusação de Telmo que se havia apartado dos seus conselhos: «para essa (coisa) houve poder maior que as minhas forças». Essa “coisa” com maior poder foi o amor.


5/4. Madalena ao justificar-se evidencia um discurso carregado de emoções. Refere, dando exemplos, as marcas que conferem essa propriedade.

As falas de Madalena revelam emoções e existem várias marcas discursivas que lhe conferem essa caraterística/propriedade. Dessas marcas podemos referir três. Duas delas são relativas à pontuação e aos tipos de frase, a outra, quanto à linguagem marcada por processos retóricos.
Relativamente à pontuação, verificamos que há o predomínio de frases inacabadas, marcadas pelo uso abundante de reticências «…tal autoridade nesta casa e sobre minha pessoa … que outros poderão estranhar …» e «esta vossa credulidade de sete … e hoje mais catorze … vinte e um?» Outro recurso de pontuação que marca a sentimentalidade do discurso é o uso da exclamação. A frase pretende aproximar o que é dito da emoção que se quer transmitir, de modo a convencer o interlocutor pela comoção, como por exemplo «sem ninguém, e numa idade … com dezassete anos!» e «salvo numa coisa!»

PODIAM REFERIR A FRASE IMPERATIVA, INTERROGATIVA

Quanto aos processos estilísticos, o texto é rico em repetições, muito próximo do discurso argumentativo, pois Madalena quer que Telmo acredite na convicção dela. Por isso recorre à anáfora COMO PROCESSO ENFÁTICO: «sabes como chorei a sua perda, como respeitei a sua memória, como durante sete anos ..».

PODEM REFERIR-SE A APÓSTROFE, A ADJETIVAÇÃO, DANDO SEMPRE OS EXEMPLOS ADEQUADOS

Os alunos que apenas transcrevem exemplos têm entre 4 e 6 pontos, em 20, portanto convém explicar.


6 - Tendo em conta a leitura e o estudo de “Frei Luís de Sousa” comenta a seguinte afirmação, elaborando um texto entre 80 e 160 palavras, referindo, pelo menos, três indícios e a reação de duas personagens.

Ao longo de todo o texto podemos encontrar indícios ou presságios de um final trágico ao qual as personagens reagem de modos diferentes.


Ao longo do drama, somos conduzidos pelo texto para aspetos que irão condicionar o desenrolar da ação. A esses sinais damos o nome de indícios. No caso desta ação, tratando-se de um drama também se costumam designar por presságios, ou seja um facto associado a uma ação funesta e trágica.

O primeiro ato inicia-se com a alusão ao episódio de Inês de Castro e decorre da leitura de Os Lusíadas transportando o leitor ou espetador para a crueldade do destino daquele trágico amor que nos permite estabelecer uma analogia entre Madalena e Inês.

Em segundo lugar, outro elemento perturbador, que condiciona fortemente a ação, é a mudança para o palácio de D. João, após o ato heróico, mas de desafio, de Manuel. Este novo espaço irá contribuir para adensar a memória psicológica de Madalena e confrontar-se com o passado indesejável.

Finalmente outro facto carregado de simbologia é a questão da coincidência de datas, dias e numerologia. Tudo se passa às sextas-feiras, sete anos depois da batalha, catorze de casamento, treze anos de Maria.

OUTROS EXEMPLOS: AS FLORES MURCHAM, FRAGILIDADE DE MARIA, O RETRATO DE MANUEL A ARDER, O FECHAMENTO DO ESPAÇO

2ª Parte da questão:

A reação das personagens à catástrofe não foi uniforme. Manuel aceita a resolução de se tornar frade sem qualquer contestação, depois de falar calmamente com o irmão frei Jorge. Maria não aceita o destino. Como ser único acha que nada tem a ver com o passado e que a sociedade e a religião se condenam a sua condição de fruto do pecado deverão questionados. Ela faz isso num discurso apaixonado. Todavia morre.

OUTRAS REAÇÕES: D. JOÃO QUER VOLTAR ATRÁS, POR EXEMPLO E PEDE A TELMO QUE VÁ DIZER QUE ERA APENAS UM IMPOSTOR

Grupo II

1 - Faz corresponder cada momento ao respetivo ato, associando o número e a letra correspondente.
1 - D. João existe apenas no pensamento das personagens
2 - D. João torna-se visível no retrato.
3 - D. João chega na forma de Romeiro
4 - Embora não esteja presente, é D. João que provoca a catástrofe

A – 1º ato B – 3º ato C – Final do 2º ato D – Início do 2º ato

1 – A; 2 – D; 3 – C; 4 - D

2
Verdadeiras – C, H, I Falsas - A, B, D, E, F


3
Corretas: A, B, C

4
Corretas: C e G

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