domingo, 16 de janeiro de 2011

Prova escrita

I  - Leia, atentamente, o seguinte texto.
 
Calma

Que costa é que as ondas contam
E se não pode encontrar
Por mais naus que haja no mar?
O que é que as ondas encontram
E nunca se vê surgindo?
Este som de o mar praiar
Onde é que está existindo?


Ilha próxima e remota,
Que nos ouvidos persiste,
Para a vista não existe.
Que nau, que armada, que frota
Pode encontrar o caminho
À praia onde o mar insiste,
Se à vista o mar é sozinho?


Haverá rasgões no espaço
Que dêem para outro lado,
E que, um deles encontrado,
Aqui, onde há só sargaço,
Surja uma ilha velada,
O país afortunado
Que guarda o Rei desterrado
Em sua vida encantada?

Fernando Pessoa, “Mensagem”, in Antologia Poética



Para responder aos itens de 1 a 2, escreva, na folha de respostas, o número do item seguido da letra identificativa da alternativa correcta.

1 - Ao longo do poema, o sujeito poético
a) tenta encontrar uma ilha perdida no nevoeiro.
b) pressente a existência de uma realidade para além do visível.
c) recebe informações sobre as novas terras descobertas anunciadas pelo som das ondas.
d) sonha com uma ilha encantada e um rei adormecido.

1 - b
2. O poema apresenta
a) um sonho de um futuro possível.
b) um presente de estagnação e de possibilidade.
c) um futuro possível ligado ao mar.d) o mar como potenciador do regresso de um passado de glória.
d) o mar como potenciador do regresso de um passado de glória.
 

2 - b
3. Explique, no contexto do poema, a expressividade do oxímoro que inicia a segunda estrofe.


A segunda estrofe inicia-se com o oxímoro “Ilha próxima e remota”, sendo o nome “ilha” modificado por dois adjectivos com um sentido de tal forma antagónico que não podem ser aplicados em simultâneo para caracterizar a mesma entidade, o que institui um paradoxo. Porém, a coexistência dos dois adjectivos antónimos torna-se possível pelo sentido criado nos versos seguintes: “Que nos ouvidos persiste, / Para a vista não existe.” (vv. 9-10). Desta forma, é criada uma relação de proximidade com a ilha, pela apreensão sensorial da sua existência através da audição, embora associada a um afastamento sensorial pela visão. Em termos simbólicos, a proximidade da ilha liga-se ao sonho sempre próximo e ecoado pelas ondas do mar e o afastamento relaciona-se com o conhecimento do real que se afasta do sonho.  
4. Aponte a relação que se estabelece entre o sujeito poético e as ondas do mar.

As ondas do mar permitem ao sujeito poético relacionar-se com aquilo que está para lá do realconhecido: “Que costa é que as ondas contam / E se não pode encontrar” (vv. 1-2), “O que éque as ondas encontram / E nunca se vê surgindo?” (vv. 4-5). Nesta medida, a proximidade do sujeito poético relativamente ao mar permite a aproximação do longe apenas pressentido pelo ecoar das ondas: “Este som de o mar praiar / Onde é que está existindo?” (vv. 6-7). Associa-se, deste modo, a certeza de um real à matéria do sonho. Assim, sujeito poético e ondas estão em dois pólos opostos: o negativo, do desconhecimento e da ausência, e o positivo, do contacto e do conhecimento. Ora a relação que se estabelece entre ambos resulta da ligação ao desconhecido: aquilo que o poeta “não pode encontrar” e “nunca (…) vê” é contado e encontrado pelas ondas que o trazem até ele.



5. Explique em que medida o achamento do “Rei desterrado” ultrapassa os limites físicos do espaço.

O “Rei desterrado” encontra-se numa “ilha velada”, isto é, inacessível à visão e o sujeito poético demonstra, ao longo do poema, a dificuldade – quase impossibilidade – de percorrer o caminho que a ela conduz: “Que nau, que armada, que frota / Pode encontrar o caminho / À praia onde o mar insiste” (vv. 11-13). Embora, de certo modo, haja certeza da existência do lugar onde o Rei se encontra, não parece possível o seu achamento pelos meios reais, neste caso pela navegação pelo mar que circundará a tal ilha. O resgate só ocorrerá se houver “rasgões no espaço / Que dêem para outro lado” (vv. 15-16), ou seja, para um lado desligado do real, sendo o corte no espaço aquilo que permitirá a presentificação da ilha velada: “Aqui, onde só há sargaço” (v. 18). Deste modo, o achamento do “Rei desterrado” depende da concretização do sonho e, consequentemente, do ultrapassar dos limites físicos do espaço.

 

II - Leia o texto com atenção 
  
Durante o curto período de ouro dos Descobrimentos portugueses, ocorridos entre 1434 e cerca de 1530, os seus navegadores – Bartolomeu Dias, Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral e Fernão de Magalhães – ampliaram sobremaneira o Mundo conhecido dos Europeus. Os Portugueses estabeleceram colónias em África, no Extremo Oriente e na América do Sul. Os locais onde desembarcaram vieram a acrescentar novos nomes ao léxico comercial europeu – Luanda, Mombaça, Maldivas, Ormuz, Diu, Goa, Gale, Macau, Tsingtau, Malaca, Melinde, Timor e Rio de Janeiro.
Os comerciantes tanto serviam a Deus como ao Diabo. “Os pregadores levam o Evangelho e os mercadores levam os pregadores”, dizia o jesuíta António Vieira no século XVII. Os portugueses baptizaram a baía de Salvador (a sua primeira capital no Brasil) de Baía de Todos-os-Santos (e alcunharam-na de Baía de Todos-os-Pecados). Exportaram, igualmente, várias inovações europeias como uma impressora móvel que introduziram no Médio Oriente e, provavelmente, no Japão. Termos portugueses entraram na língua de povos distantes como os Japoneses (tempura) e os Indianos (casta), entre outros.
Em suma, tal como Lisboa jamais esqueceria, foram os Portugueses que primeiro “uniram, para o melhor e para o pior, os ramos amplamente separados da grande família humana”, tal como salientou o historiador Charles R. Boxer: “Foram eles que primeiro tornaram a Humanidade consciente, ainda que ao de leve, da sua essencial unidade.”
Mas porquê os Portugueses? Durante o século XV existiam pouco mais de um milhão de portugueses, na sua maioria camponeses analfabetos. Pouco maior que a Escócia, com apenas 130 milhas que se prolongavam até ao seu ponto mais largo, Portugal tinha escassos recursos naturais, embora possuísse uma ampla linha costeira. Entre o Norte montanhoso e o Sul árido, apenas um terço do País era susceptível de ser cultivado. E quando Portugal (o termo “Portugal” deriva de “Portus Cale”, antiga palavra romana que designava o Porto, actualmente a segunda maior cidade do País) principiou a tornar-se um reino durante o século XII, outros navegadores europeus estavam já em actividade: os bascos, os catalães, os genoveses e os venezianos.
Forçados pela geografia a compartilhar a Península com um vizinho mais poderoso (Espanha), os portugueses tiveram, no entanto, talento para sobreviver e para explorar, habilmente, as ambições rivais de potências superiores. Tal permitiria ao pequeno país manter-se independente durante mais de 700 anos de uma turbulenta história europeia.

Kenneth Maxwell, in “O Jornal”, suplemento ao n.° 691, Maio de 1988
1 - Para responder, escreva, na folha de respostas, o número do item, a letra identificativa de cada afirmação e, a seguir, uma das letras, “V” para as afirmações verdadeiras ou “F” para as afirmações falsas.

a) Com o uso do termo “provavelmente” (linha 13) o enunciador apresenta a sua incerteza em relação ao facto que apresenta.

b)  Com o uso da expressão “Em suma” (linha 16) o enunciador reduz um discurso particularizado a uma expressão globalizadora.

c)  O travessão duplo utilizado nas linhas 2 e 3 particulariza uma inferência.

d)  O constituinte “várias” em “várias inovações europeias” (linha 12) desempenha a função de predicativo de complemento directo.

e)  Os termos “tempura” (linha 14) e “casta” (linha 15) são palavras homónimas.

f)  A frase “que se prolongavam até ao seu ponto mais largo” (linha 22) é uma subordinada relativa restritiva.

g) A frase “embora possuísse uma ampla linha costeira” (linha 23) é subordinada concessiva.

h) Na expressão “um vizinho mais poderoso” (linhas 29-30) o referente do nome não corresponde a uma informação anteriormente dada, específica ou identificada.

i) A expressão conectiva “no entanto” (linha 30) introduz um nexo lógico de condição.

1. a) V; b) V; c) F; d) F; e) F; f) V; g) V; h) V; i ) F.


III - Considere a seguinte afirmação:


Um poeta já falou, vendo o homem e seu caminho: "o lar do passarinho é o ar, e não o ninho". E eu voei... Eu passei um tempo fora, eu passei um tempo longe. Não importa quanto tempo, não importa onde. Num lugar mais frio, ou mais quente de repente, onde a gente é esquisita, um lugar diferente.
Letra e música de Gabriel, o Pensador, “Brasa”,do álbum Seja Você Mesmo, Não Seja Sempre o Mesmo, 2001

Apresente uma dissertação sobre as questões levantadas pela afirmação transcrita. Redija um texto bem estruturado, de duzentas a trezentas palavras, fundamentando-se em leituras que tenha realizado. O texto da sua dissertação deverá apresentar o respectivo plano.

 
Sugestão de plano

Tese: o Homem deve cumprir a sua natureza pelo abandono do conforto.

Argumentos:

– o conforto limita o Homem;
– a viagem amplia o conhecimento humano;
– exemplos de leituras: Mensagem

Conclusão: o Homem cumpre-se pelo abandono do lar.


 
Sugestão de dissertação

A afirmação do músico Gabriel, o Pensador, traduz, de forma metafórica, a necessidade de o ser humano procurar a felicidade fora do conforto do seu lar, tal como o passarinho deve abandonar o conforto do ninho e voar, sujeito a enfrentar perigos e obstáculos. No ar está o seu lar, o que significa que a sua natureza é o voo.
Também o Homem, como o poeta sugere, deve partir. Esta partida permite-lhe conhecer diferentes realidades e, como consequência, ampliar a sua visão do mundo. O conforto inibe o cumprimento da natureza humana, pois é restritivo em relação à ampliação do saber, uma vez que, sentindo-se bem, o Homem se julga completo, sem ter noção da magnificência da realidade que existe fora do lar e da dimensão real da sua incompletude. Esta questão atravessa a cultura humana e surge frequentemente traduzida na literatura.
Assim, por exemplo, a obra pessoana Mensagem apresenta essa ideia através do lamento do poeta em relação àqueles que se sentem felizes no conforto do lar em “Triste de quem vive em casa, contente com o seu lar”. No entender do poeta, esta satisfação leva a uma vida que apenas dura, mas que não é realmente vida, uma vez que não cumpre a natureza humana.
Para cumprir a sua condição, o Homem deve, tal como o passarinho, assumir o espaço fora do conforto do lar como o seu verdadeiro lar, isto é, o espaço de habitação e projecção da sua verdadeira natureza: alargar os horizontes.

245 palavras







Observações:

1. Para efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco, mesmo quando esta integre elementos ligados por hífen. Qualquer número conta como uma única palavra, independentemente dos algarismos que o constituem.


2. Um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até cinco pontos) do texto produzido.

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