sexta-feira, 1 de outubro de 2010

A Dedicatória - do laudatório à exortação da guerra...!

     A dedicatória não era um elemento estrutural obrigatório do género épico, mas, genialmente, Camões decide dedicar o seu poema ao rei D. Sebastião, a quem louva e exorta pelo que representa para a independência de Portugal e para o aumento do mundo cristão; pela ilustre e cristianíssima ascendência e ainda pelo grandioso Império sempre banhado pelo sol.

     Ao louvor, segue-se o apelo. Referindo-se com modéstia à sua obra, que designa como “um pregão do ninho (...) paterno”, um grito popular, pede ao Rei que a leia. Na breve exposição que faz do assunto d’Os Lusíadas, o poeta evidencia um aspecto particularmente importante, a obra não versará heróis e factos lendários ou fantasiosos, como todas as epopeias anteriores, mas matéria histórica. Documenta-o com a apresentação de uma galeria de heróis nacionais que valoriza pelo confronto com os de outras epopeias.

     Termina o seu discurso incitando o Rei a dar continuidade aos feitos gloriosos dos portugueses, nomeadamente, combatendo os mouros, e renovando o pedido de que leia os seus versos.
     O discurso da Dedicatória organiza-se, pois, segundo esta lógica — louvor, exortação e argumentos que a fundamentem, incitamento/apelo de carácter nacional e, em jeito de conclusão, breve reforço do apelo pessoal.

     Há quem considere que esta parte do poema apresenta uma estrutura própria do género oratório: Um exórdio, que corresponde ao início do discurso (6 a 8); uma exposição ou corpo do discurso (9 a 11); uma confirmação, em que seriam apresentados exemplos e ou argumentos (12 a 14) e um epílogo ou conclusão (15 a 17). Veja-se ainda a utilização da segunda pessoa do plural (“vós”), do modo imperativo (“Ouvi”) e de numerosas apóstrofes (“ó bem nascida segurança” que também poderá ser considerada uma perífrase) e que são características da oratória.

    No exórdio (6), o poeta dirige-se a D. Sebastião declarando-o: o enviado providencial para assegurar a independência de Portugal, continuando a obra da dilatação da fé e do império. Note-se a forma como o vocativo «vós» se desdobra em rasgados elogios: D. Sebastião é-nos apresentado como defensor nato da liberdade da Nação, como o continuador da dilatação da Fé e do Império, como o Rei temido pelo Infiel, como o homem certo no tempo certo, «dado ao mundo por Deus». 

     Na exposição (10, 11), o poeta pede a D. Sebastião que ponha os olhos no poema que desinteressadamente fez e lhe dedica, no qual ele verá os grandes feitos dos portugueses, reais e não fingidos, maiores do que os narrados nas antigas epopeias, de tal forma que o jovem rei se poderia julgar mais feliz como rei de tal gente do que como rei do mundo todo (hipérbole) e mitificação do "peito ilustre lusitano"
     Note-se como o poeta desliga a glória de ser conhecido pela sua obra do «prémio vil», já que o moveu o «amor da pátria».
Veja-se a profusão de sinónimos para falsas proezas: vãs façanhas, fantásticas, fingidas, mentirosas, sonhadas, fabulosas. Tudo isto é suplantado pelas proezas «verdadeiras» dos Portugueses. Uma hipérbole que os últimos dois versos repetem, tendo em conta analogia entre os heróis clássicos e os portugueses.
O vocativo e o modo imperativo são as marcas mais notórias da função apelativa da linguagem: “E vós, ó bem nascida segurança...”, “ó novo temor da maura lança...” “Ouvi…” “Ouvi...”.
Os Lusíadas são fonte de glória não só para os heróis, mas também para o poeta altamente comprometido e implicado. Pode ver-se nos quatro primeiros versos da estrofe 10, em que o poeta afirma que foi levado a escrever o seu poema, não pelo desejo de um prémio vil (material), mas de um prémio alto e quase eterno. Esse prémio é a fama de grande poeta entre os portugueses (ser conhecido por um pregão do ninho meu paterno).

O poeta exalta D. Sebastião como rei-menino destinado pelo Fado, ou pela Providência, a grandes feitos, num império já imenso, mas que ele acrescentaria ainda, dilatando a fé e o império (“para do mundo a Deus dar parte grande”).

      O louvor de D. Sebastião está pois, em ser apresentado como um jovem-rei em que o povo português tudo espera, rei predestinado a retomar a grandeza dos feitos portugueses. A ideia do jovem-rei como salvador da pátria reflecte a crise em que a nação já se encontrava, mas ela estava lá tão arreigada no povo que não desapareceu da sua alma nem com o desaparecimento do rei. Nasce o sebastianismo e é precisamente isso: a imagem de um rei fatalmente destinado a ser salvador de uma nação em crise.
     Observe-se também o super-ego camoniano: sereis grande tanto quanto o meu canto for.

Sem comentários:

Enviar um comentário